segunda-feira, 10 de junho de 2013

Machozi Kwaheri


Em suaíle, significa lágrimas de adeus. Meu último dia de África se resumiu a emoções transbordando dos olhos.  Depois de todo esse tempo. Quatro meses no continente mais bonito e mais sofrido do mundo. As lições que não sei descrever, dizer. A história que não sei contar. As experiências que não sei explicar. Gratidão, realização, alegria e uma saudade.

Chegar no colégio pela última vez. Olhar pra carinhas cheias de esperança pela última vez. Receber e dar um sorriso. Receber e dar uma vida. Dentro do inferno, um palácio de promessas e expectativas. De gente pequena que nasceu imensa. Que precisa ser imensa. E que busca a educação como forma de sair dessa condição de miséria. Ninguém merece isso.

Chegar no colégio pela última vez. Olhar pras carinhas cheias de tristeza pela primeira vez. Os sentimentos eram bombas esperando pela faísca. Alegria e orgulho, pelas realizações. Desespero e saudade de estar deixando isso pra trás. Era só o começo. Fui recebido com aplausos, abraços e beijos. O banheiro estava pronto, precisava apenas ser pintado.

Depois de algum tempo, pra lá fomos. Com tinta branca nas mãos e quase todas as crianças da Childrock. Começava a pintura. Aproveitei o momento pra respirar. Era necessário. De repente as crianças abrem uma cartolina com as listas de realizações e desejos de alegria para mim. Tanta água nos olhos que não consegui tirar foto.

Passada a cartolina, a tinta branca não estava apenas sendo aplicada. Foi formada uma frase. A frase que me fez torcer a bandeira do Brasil com toda a força do mundo, num ímpeto de soltar leões de dentro da alma. O mesmo estandarte pátrio virou um lenço. Não para secar as lágrimas, mas para esconder o rosto. Soluçava sem parar. Escondia a face não por vergonha do suor caindo dos olhos, mas pra bloquear a visão do que se materializou a minha frente como a maior realização que obtive na vida.

Não fui capaz de parar. Aliás, ainda não sou. Voltamos para o colégio após a pintura e encontramos todos os alunos numa grande sala, em imensa cerimônia de despedida. Sem conseguir enxergar nitidamente pela quantidade de lágrimas, vi cada professor vir e agradecer, seguido de vários alunos. Recebi cartas, envelopes, presentes. Recebi vida.

Vem o depoimento da professora do pré-primário. Segurando o pranto, ela diz que seus alunos falaram pra ela que Deus havia chegado ao colégio. Chorando, nos abraçamos. O vento bateu. Deus havia chegado ao colégio, sim. Naquela hora. Tenho certeza. Com o olhar embaçado, disse pra elas nunca desistirem dos seus sonhos e jamais deixarem alguém dizer que não é possível. Sempre será.

Ao Quênia, meus mais sinceros agradecimentos por toda a experiência e aprendizado que levo para sempre no meu coração. À Childrock, a promessa de voltar e uma saudade que não cabe no peito. À África, o silêncio. De luto, não. Silêncio pela falta de formas de expressar qualquer “obrigado” por tudo que passei, das coisas boas às ruins. Essa montanha russa que não para nem dá trégua. Afinal, TIA. This is Africa.

domingo, 9 de junho de 2013

Retrospectiva

Sem esperanças e sem sorrisos, cheguei na Tanzânia. Um país totalmente desconhecido, uma realidade de romper as barreiras e defesas de qualquer ser humano. Entro no carro e passo por todo o cenário aterrador. Pessoas vagando pra lá e pra cá, prestando atenção na “procissão” daquele sujeito de outra cor, sem entender muito qual seria o propósito daquele rapaz.

Sem qualquer noção do que iria viver. Sabia que estava ali pra dar aulas de Direitos Humanos. Como, por que ou pra quem, desconhecia. Pouso na casa errada, privada de tudo que era comumente usado no cotidiano brasileiro. Geladeira, travesseiro, pratos, garfos, eletricidade, água. Todos ausentes. Móveis, nem pensar. Só gente numa casa esquisita.

Ainda fui chegar num final de semana, que me cegou quanto ao propósito de estar abdicando de tanta coisa. Desespero total, penso em voltar. Não posso, preciso perseverar. Vai melhorar, Bruno. Fica calmo. As coisas com as quais havia crescido sem dar qualquer valor, logo nos primeiros dias se tornavam parte de lembranças pra daqui a meses. A guerra começava.

Mudando pra casa certa, conhecendo gente e o trabalho começou. Acrescentando um pouco a cada jovem mentalidade, fazendo uma diferença significativa em cada conversa, cada aula. Se tornou uma paixão em mais alguns poucos dias. E de repente, o sacrifício nem existia mais. Existia uma realidade diferente, uma realidade que valia a pena lutar pra mudar, acrescentar, evoluir.

E me vi apaixonado pela Tanzânia. Aquela falta de ar, coração batendo rápido. Por um país. Milhões de dificuldades e problemas logo ali. Nem importava. Surge um princípio de razão. Um prazer imenso em levantar cedo, andar sete horas dentro de vans lotadas, suando feito porco pra tentar deixar um pouquinho de mim e receber um pouquinho deles. Ficar sem comer ou beber água, sem tomar banho ou sem luz tornou-se normal.

Como pode chegar tanta alegria numa situação como essa? Nesse instante, inúmeros aprendizados colhidos. Dos mais básicos aos mais complexos. O mundo se explicava. O valor da viagem era maior do que o valor de várias vidas inteiras. Uma saudade absurda da família e dos amigos, mas do conforto? Nem um pouco. Talvez da cultura, talvez da alimentação. Que bobagem.

Num piscar de olhos, deixei minha alma em Dar es Salaam. No país que amei incondicionalmente. Fui totalmente correspondido e a Tanzânia me amou de volta. Nada melhor que isso. Perrengues mil, felicidades eternas. Aprendi a viver na pobreza e ser a pessoa mais feliz do mundo. O esperado encontro profissional aconteceu. Uma paz de espírito tomou conta como nunca antes visto. Suspiro. Mesmo do Quênia, minha gratidão pela experiência tanzaniana é indescritível e a evolução, evidente até pros olhos mais desatentos. Asante Sana, Tanzânia.

Sou arrancado das aulas de Direitos Humanos e do meu novo sonho pela força do tempo. De repente, Nairóbi. Uma cidade imensa, metrópole. Caos nas ruas. Residência de ouro. Quase todas as regalias são trazidas de volta. Uma casa boa, conforto. Qual era o sentido disso? Conforto pra quê? Ninguém precisa de conforto pra ser feliz. Precisa só se encontrar e se amar, de verdade.

Eis que chego em Mukuro, Childrock. Dar aulas de... inglês? Esse é o impacto que quero causar? Ensinar inglês? Acabou? Não pode. Dentro de um dilema imenso de viver no conforto e trabalhar na miséria mais profunda que vi na vida, fico mal. Choro, me frustro. Sair de um país incrível, do meu santuário, pra vir pra uma cidade caótica ensinar inglês numa favela?

Não há descontentamento que não possa ser revertido e não há ausência de iniciativa jamais. Começo a organizar a campanha na minha cabeça. Será que vai dar certo? Bom, se eu chegar a cinco mil reais está excelente. Vai dar pra construir o banheiro deles, vou deixar um legado. Tento estruturar cada detalhe, cada possibilidade, cada ação. Está lançada a arrecadação de fundos.

Dois, quatro, dez, vinte. Trinta. Trinta mil reais. Um mundo de possibilidades, de realizações. Um mundo de conquistas. Se o sentimento da Tanzânia era de realização pessoal, o Quênia foi a explosão. Explodi. Não tenho como me conter em tanta felicidade, tanto orgulho e tanta vontade. Pra quem havia vivido tempos difíceis pré-África, de indecisões, dúvidas e incertezas, o caminho agora era o certo.

Claro que o Quênia apresentou novos problemas e novos desafios. Mas era tarde demais pra eles. Sou um dos melhores amigos de todas as confusões e obstáculos. Sou fã número um. Venham. Tô pronto. Nada pode me parar. Se parar, é só pra pensar, refletir, questionar e aprender, como sempre fiz. Passada essa parte, seguir em frente ainda mais forte. Nada pode me parar.

Perto de sair de cá, alegria pela jornada, saudade de um tempo que ainda não acabou. Não vou dar tchau por ainda tenho amanhã, mas a vida é mesmo questão de perspectiva. “Maneira” é a palavra que contém todos os segredos do mundo. Maneira de falar, de ver, de pensar. Todas as dificuldades viram pedrinha no sapato. Bem pequenininha. É sua opção tirar de lá e aprender com ela ou deixar incomodar tanto até sangrar. Até amanhã, meu último dia. Cheio de esperanças e sorrisos.

sábado, 8 de junho de 2013

O Passatempo

Olho pro teclado. Ao invés de virem poucas palavras, vêm todas. Juntas. Ao mesmo tempo. Todas as formas de expressão existentes no planeta. Tento me convencer de que escrever vai ser um desperdício de tempo. Um desperdício de palavras. É quase impossível escrever na mesma dimensão do que vivi. Escrevendo todo dia era insuficiente. Fazer isso num dia só. É quase impossível. Mesmo.

Vivi mundos de televisão, de contos de fada que não são contados. De filmes. De amores, de compaixão. De sacrifício. De luta, de vontade. De força de vontade. De ajuda. Auxílio pra mim e pra todos. De descobertas. De conquista. De mais conquistas. De superação. De liderança. De autonomia, liberdade. De saudades. De mais e mais saudades. De valorização. De vida.

Saudade dos amigos que eu sempre tive e dos amigos que ainda vou ter. Saudade de viver. Pode parecer confuso dar vontade de viver mais do que isso. Depois de ter vivido um extremo da vida, um máximo possível pra um período de tempo curto. É um dos sentimentos mais gostosos do mundo. Parece que a vida ganhou sentido. Não parece não, ganhou mesmo. Ao contrário de correr atrás de algo, de uma motivação pra viver. A motivação tá sempre ali, olhando.

E qualquer hora dessas ela dá o bote. Te pega de surpresa, no pescoço. Ao invés de dor, a injeção de vida abre os olhos. Escancara os horizontes. As possibilidades. É como se até então tivesse vivido com vendas. No escuro. De repente, cores. Cores, cores. Um universo tão grande de cores que assusta. Assusta sem assustar, em ondas de alegrias e sentimentos.

Como se a capacidade de respirar fosse novidade, a mente começa a trabalhar em sincronia com o coração. De repente, a guerra acabou. Corpo e alma, juntos no mesmo lugar. Sem mais se preocupar com nada, sem mais temer. Pura vontade de continuar, de seguir em frente. Alma que não foge, mas vive. Corpo que não morre, sorri.

A sensação de ser infinito. De ter se perpetuado no tempo. De valer a pena, cada segundo. De vibrar com os momentos ruins e chorar com os momentos bons, numa sincronia meio sem sentido. De aprender na bonança e curtir as dificuldades. Brindar às tarefas, às barreiras, essas eternas lições de vida. A felicidade em tempos difíceis. O riso na crise.

E de repente a cabeça volta ao desperdício de palavras. Ficou bom? Foi suficiente. Não, com certeza não. Mas nunca seria, nem nunca será. Vivência exige vida. Respirar, planejar e fazer. Sentir e aprender. Observar, brincar, reagir. Surtar, lembrar, sorrir. Se perder só pra ter o prazer de se achar. O passatempo de se amar. Ou viver. Dá no mesmo.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Conquistas

A publicação mais esperada do blog. O orgulho. A alegria. A realização. Chegou a hora de divulgar todos os inacreditáveis resultados e inesquecíveis conquistas que juntos fizemos aqui no Quênia. Numa boa, fizemos história. O legado que vai ficar aqui é imenso. Ouvi de todos da organização que nunca fizeram tanto pela Childrock como nós fizemos. Tá todo mundo de parabéns!

Essa publicação será imensa, mas óbvio que ninguém se importa. Porque vai ter uma foto pra ilustrar cada pedacinho de céu que atingimos. Será enumerada numa “ordem” de importância, explicando tudo que envolveu a chegada à meta. O tiro foi certeiro e não tivemos espaços pra erros. Sorriso garantido ou seu dinheiro de volta. E eu duvido de quem disser que não abriu um sorriso de orelha a orelha.

1. Propriedade do Terreno: a mais cara e a mais importante. Não foi “dar o peixe”, como fornecer comida, material escolar, que apesar de fundamentais perecem depois de (muito) tempo. Comprar a propriedade trouxe um alívio de 18.000 shillings, U$225 todo santo mês aos bolsos da instituição. Considerando que a receita da Childrock é de 23.000 shillings, o aluguel comprometia quase sempre a continuidade do trabalho. Não mais!

Depois de várias negociações pra se chegar a um valor razoável, o contrato foi assinado e o certificado passado a limpo pelo secretário da favela de Mukuro. A comemoração foi imensa. Saber que a Childrock dispõe de 23.000 shillings mensais sem maiores preocupações é a garantia de que a árdua tarefa de educar jovens menos privilegiados da favela queniana vai continuar na ativa por anos e anos. A aquisição custou 380.000 shillings, o equivalente a U$4.750.



2. Banheiro: “professor, posso ir ao banheiro?”. Pode. A inexistência de banheiros na favela fazia com que as crianças aliviassem suas necessidades no meio das ruas, na porta de casas ou até em sacos plásticos que eram jogados pela janela depois, criando o termo “flying toilets”. Embora não influencie diretamente na educação, um espaço para poder “descarregar” à vontade é indispensável. Só temos dificuldade de entender a necessidade porque nunca deixamos de ter um toalete à disposição.

O orçamento demorou a sair, mas depois foi só curtir (e suar muito) pra aproveitar a subida meteórica das instalações. A inauguração vai ser na segunda-feira, no mesmo dia que me vou, mas o banheiro está prontinho. Faltam alguns detalhes que serão resolvidos hoje e amanhã. Diferente de reformar ou de aquisições que “não são palpáveis”, ver um espaço vazio se transformar num toalete dá um orgulho fora de série. Apesar de ter começado com a previsão de gastar U$1.600 e poucos, fechou em 160.000 shillings, ou U$2.000, em função de uma série de novas necessidades não previstas.








3. Livros: os professores são bons, mas não fazem milagre. Todo ensino sério, seja pelo método que for, precisa do acompanhamento de livros. Os livros são a alma da educação há décadas e essenciais para o desenvolvimento de qualquer criança. Antes da nossa empreitada, praticamente nenhuma criança tinha livros e o colégio não possuía recursos suficientes pra bancar novos materiais.

Agora, todas as crianças estão devidamente equipadas com as ferramentas do ensino. E não só pra uma ou duas matérias não, pra todas. Ciências Sociais (História e Geografia), Inglês, Matemática, Ciências, Estudo Religioso e Suaíle. Ao mesmo tempo, os livros pertencem à Childrock e serão passados de geração em geração. Passou de ano, deixa os livros pros que vêm atrás e aproveite os livros novos. O custo total foi de 120.000 shillings incluindo material escolar, o que dá U$1.500.



4. Renovação do Colégio: etapa final da campanha, todas as paredes serão trocadas, com novas folhas de zinco e pintura. Infelizmente não é possível colocar tijolos ou até pedras por determinação da secretaria da favela, mas a melhora será imensa. Pra quem não sabe, a escola se localiza em Mukuro há um ano, após incêndio que destruiu todas as salas em outra área de Nairóbi. As paredes e o teto são sucata do incêndio com uma mão de tinta, mas cheios de furos e ferrugem.

Não há “chão”. O solo é natural, composto por pedras e barro. Portanto, o desnível causa acidentes tanto em crianças quanto em objetos do colégio, como por exemplo, carteiras. Cimentar todo o local garante um ambiente sem riscos e com mais cara de escola. Além disso, o teto está caindo aos pedaços, e por caindo entenda-se caindo mesmo. Será trocado. Tudo isso no custo de 230.000 shillings, coisa de U$2.875. Essa mudança será investimento de agora, mas só colheremos frutos em futuro próximo. Tanto os novos intercambistas, quanto os diretores e o pessoal da AIESEC irão nos atualizar dessa empreitada!


5. Armários e Carteiras: um dos grandes problemas da pré-escola e da diretoria é a ausência de armários para a organização de livros, documentos e demais. Depois de ter comprado todos os livros, onde eles seriam guardados? Por isso, providenciamos a compra de dois armários, cada um com uma finalidade diferente. Além, compramos dez carteiras novas pra meninada da pré-escola, pois as antigas eram altas e inalcançáveis pelos alunos. Custo total de 40.000 shillings, U$500.




6. Renovação da Cozinha: Estava prestes a desabar o local adequado para cozinhar. Não é exatamente um fogão, mas um local para inserir a lenha e botar uma panela imensa pra ferver. Enferrujado e muito velho, o equipamento teria que ser substituído para que as crianças continuassem tendo o que comer. Não ficou só por isso e adquirimos também pratos, talheres, copos e panelas novos. Custou a bagatela de 20.000 shillings, coisa de U$250.




7. Alimentação: Saco vazio não fica em pé. Assim que cheguei, a comida estava acabando e as crianças estavam há dias sem comer. Não adianta nada estruturar uma melhora a longo prazo se os alunos não vão conseguir usufruir de todas as novidades por causa de barriga vazia. É fundamental, mas não se perpetua no tempo. Indispensável, mas passageiro. Caso não tivéssemos feito todo o resto, esse investimento seria apenas um “peixinho”. O custo inicial foi de 35.000 shillings, U$438. Ah, esse valor representa alimento pra dois meses.



8. Professores: apesar de todas as melhoras, o salário dos professores está atrasado. Então com os nossos 95.000 shillings restantes (o resto vem da alemã), salários serão pagos e postos em dia. Não adianta nada ter isso tudo, alunos alimentados, felizes, ambiente excelente, enquanto professores abandonam a causa por falta de pagamento. U$1.187.



9. Outros Gastos: eventualmente, foi necessário pagar um carroceiro, um caminhão ou até outros meios de transporte pra trazer os materiais, sejam eles livros ou cimento. Outras vezes, um pequeno agrado aos professores de salário atrasado, como refrigerantes e um lanche. Hoje, por exemplo, fizemos uma pequena festa de aniversário pra uma aluna espetacular da turma seis, aquela do vídeo que quer ser “tutor”, lembra? Essas despesas juntas somaram 10.000 shillings, U$125.



Pois é. A sensação de orgulho é inigualável. Não minha, mas de todos nós. Não canso de repetir, fizemos história. Com todos esses investimentos, posso voltar pra casa satisfeito. Cheio de história pra contar, numa honra surreal de ter feito parte dessa campanha que construímos juntos, vocês daí do Brasil e eu do lado de cá do oceano.

Que todos nós sejamos feitos de exemplo pra várias iniciativas que estão por vir pela nossa terrinha e por outras partes do mundo! A alegria é imensa e contagiante! Parabéns pessoal, o choro de alegria está liberado, né? Essa vitória é nossa! Divulgue, espalhe, sorria e viva essa emoção. O sentimento é gostoso demais e está à disposição. Pra não perder o velho hábito, vamos que vamos!

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Milionário


Existem certas ambições que não se explicam. Muitos jovens ambicionam fazer o primeiro milhão nos seus vinte e poucos anos. Apesar de ser uma ideia de riqueza e bem-estar financeiro, não é isso que importa no final das contas, não é verdade? Trabalhar feito escravo pra atingir um número na conta bancária me parece fazer muito pouco sentido, mas tudo bem.

Agora sabe aquele seu amigo que ficava procurando namorada por um tempão e não achava? “Tá difícil, não aparece ninguém bacana”. Pode parecer loucura, mas reza a lenda que quanto mais se procura e se fixa em determinado objetivo, ignorando o que surge ao redor, menores as chances de atingir o alvo. E isso está sendo dito por que mesmo?

Porque somos milionários. É isso aí. Do alto das minhas vinte e duas juvenis primaveras, atingi(mos) o primeiro milhão. Quem se importa que foi em shillings? Quem se importa que foi somando a iniciativa de todo mundo junto? Acima de tudo, quem se importa? Chegar a um milhão é a maior besteira do mundo, mas investir um milhão de shillings numa mudança revolucionária no Quênia, aí sim.

O que significa que dinheiro existe pra suprir desigualdades sociais e ser gasto em coisa boa. O problema está na forma de interpretar o termo “coisa boa”. Em nenhum momento da campanha quis apelar pro “você está gastando muito mais numa noitada do que em caridade”. Cada um faz o que quer e o que acha certo. Certo?

Dinheiro é papel. Sem ser investido ou depositado em algo, continua sendo papel. Na era dos bancos, deixou até de ser papel pra virar um número. Esse número é tão importante como o número de vezes que você abre a geladeira pra pensar após acabar o Faustão no domingo. O que não é nem um pouco importante. Dessa afirmativa espero a unanimidade.

Um milhão de shillings significam doze mil e quinhentos dólares, aproximadamente. Mas não temos “só isso”. A receita total ficou em um 1.165.345,13 shillings. Isso dá coisa U$14.386 (um pouco menos, o dólar subiu antes da remessa da verba pro cartão). Até segunda-feira, a expectativa é ter investido cada centavo. Alguns poucos dólares de contribuição alemã ficarão pra depois porque a madame tem mais tempo de Nairóbi e pode administrar depois que eu me for.

Bacana reiterar que a arrecadação fechou as portas. Como disse, ainda posso receber o dinheiro e enviar para a conta da instituição, mas sem qualquer controle sobre a verba. Por isso, por favor, aos que quiserem continuar contribuindo com a causa, entrem em contato pelo bruno.sterenberg@gmail.com ou facebook para providenciarmos o envio ao Quênia. Mesmo os que estão recebendo seus vídeos agora, podem publicar à vontade, é de vocês. Por favor, só evitem direcionar os esforços pra minha conta, apenas pro meu contato para arranjarmos o esquema de mandar direto pra cá, tudo bem? Vamos que vamos!


quarta-feira, 5 de junho de 2013

Nairobbery


Pra quem tava com saudade, “que dia”. Andamentos mil pela Childrock, investimentos ao horizonte e estádio pra ver eliminatórias da Copa. Pena que o Quênia perdeu de um a zero pra Nigéria. O gol saiu de um contra-ataque e foi uma pintura. Depois de ganhar na corrida do zagueiro, o atacante encobriu o goleiro e a bola foi entrando devagarzinho na rede pátria.

Antes de chegarmos ao jogo, vamos ao que interessa. Childrock de manhã cedo pra ninguém botar defeito, com telhado e acabamento do banheiro ficando prontos no final do dia. Amanhã é só furar o chão pra conectar com o encanamento e inserir a privada. Os anseios inauguratórios são imensos. Erick pediu pra esperar até segunda pra cerimônia oficial com todos os alunos. Nada mais justo, é tudo pra eles mesmo. Mas o dia não se resumiu a isso não.

Com uma verba boa ainda para investimento, averiguamos nos últimos dias a possibilidade de renovar todas as paredes e cimentar o chão, dando uma cara bacana de “escola” mesmo. Recebi o orçamento e está bem compatível com o nosso alvo. 215.000 shillings, coisa de aproximadamente U$2.687 dólares. Como disse antes, toda essa parte será investida por nós (vocês que fizeram todo esse sonho possível e quem vos escreve), embora a supervisão fique a critério da arquiteta italiana.


Confesso que ainda não botei na ponta do lápis, mas, além disso, sobrará cash para os professores e mais um bocado pro programa de alimentação. Não consigo esperar a hora de enumerar todas as conquistas, mesmo. A ficha ainda não caiu não. Trata-se de verdadeira revolução. Fizemos história por aqui, vocês tão sabendo? Vocês mesmo que acreditaram, sonharam e realizaram junto comigo!

Hora do jogo. Desafio africano, sendo a Nigéria uma das melhores seleções do continente. A conferida inicial do estádio foi impressionante, cabem sessenta mil camaradas lá dentro. Não à toa que senhor polêmico presidente Uhuru Kenyatta optou pelo Kaserani como palco de sua apresentação. Uma bela obra faraônica, de dar inveja aos milhões esbanjados na cidade da música e no novo Maraca.

Por falar em Maracanã, bateu uma saudade grande dos tempos áureos do gigante popular. Assisti o primeiro tempo em assentos no nível do campo, distante como o Engenhão pela pista de atletismo em volta do gramado. A visão era meio ruim e resolvi subir pro terceiro andar. Melhorou bastante, só que o assento era no concreto. Lembra do mítico campo carioca lotado de populares no concreto?

A qualidade do jogo foi tão boa quanto uma pelada no aterro. Aliás, a pelada do aterro seria melhor. Do lado queniano, Victor Wanyama, atacante titular do Celtic. De outro, Obi Mikel, um bom meio-campista do Chelsea. Melhor pro segundo. No ataque, era Victor contra cinco zagueiros nigerianos. Chuveirinho lançado pelo goleiro do Quênia, que obviamente não deu em nada. Apesar do nível, valeu demais a experiência e a torcida.

O chato é que a gente precisava da vitória pra se classificar. O país tinha dois empates e uma derrota até então, sendo o último do grupo repleto de gigantes como Namíbia e Malaui. O gogó foi gasto e sobrou até uns palavrões em português, nada feito. No final das contas, a torcida saiu sorrindo e dizendo que esperavam o resultado. Isso que é estar desacreditado. Bom, Copa do Mundo de 2018 será Kenya against the world, vocês vão ver.

O nome da publicação não tem nada a ver com qualquer tipo de assalto não. É uma expressão usada pelos locais quando alguma coisa ruim acontece por Nairóbi. Voltando pra casa morto de cansaço depois de assistir o game, presenciei uma batida feia entre duas Matatus. Eis que o trocador soltou um Nairobbery pra premiar o dia. Ri à beça. Vamos nós que amanhã promete. E já uma saudade de cá...

terça-feira, 4 de junho de 2013

Sucesso Sossegado

Tem dia que é brabo. Cacetada. Pela colonização europeia, sobrou um restinho de raiva da rapaziada local por todo “pele branca”, um dos motivos do grande racismo ao Mzungu por acá. É uma espécie de ódio em função do regime de exploração que deu as cartas no continente. Claro que toda pessoa com menos melanina é automaticamente responsável pelas ações do passado. Coerente, certo? Não.

Nesses dias, é preciso bastante força de vontade pra sair de casa andando por duas horas até chegar ao colégio, ouvindo durante todo o caminho a maior variedade de piadinhas e risadas existentes. Sim, eu sei que a cabeleira não ajuda, mas não justifica. Hoje até o habitual “Jesus” ficou barato. Saindo da favela, jogaram restos de tomate em mim e no finlandês. Pois é.

Logicamente não pode reagir. Se eu me virar xingando em inglês ou der qualquer indício de ter saído do sério, a comunidade no mínimo me janta na paulada. O truque é não se importar mesmo. Se eles forem capazes de tirar o sorriso da sua cara, ganharam. E até chegaram a me ganhar por um tempo. Nada que uma reação não supere. Vou botar teu nome na macumba, diz aí Dudu Nobre.

Sempre fico tentando buscar explicações maiores pros fatos que acontecem. Associar com uma lição importante ou aprendizado costuma dar sentido aos fatos. Cheguei à seguinte conclusão: todas as pessoas que fizeram o bem em algum momento tiveram opositores. Pessoas que estão ali pra desmotivar, tentar derrubar ou diminuir a ideologia e a alegria.

Não é pra comparar com os grandes gênios da história, Gandhi, Martin Luther King ou Beethoven, mas todos esses caras tiveram antagonistas presentes e atuantes, que tentaram puxar os amigos pra baixo. Às vezes até a cova. Remédio: fazer ainda mais o bem. Sempre que estou pê da vida, tento ajudar alguém pra lembrar do gostinho de se estender a mão. Fazer trabalho voluntário só quando se tem vontade e com sorriso no rosto é mole. Quero ver depois de ter passado por um perrengue.

Chega de negatividade! O banheiro atrasou (claro) mas foi quitado. Deve ficar pronto na sexta-feira ou até mesmo sábado. Não vou descansar nem um segundo, porque até na segunda que vem, dia de voltar pra casa, vou dar o ar da graça na Childrock pela última vez pra inaugurar as instalações junto com as crianças. Ainda aguardo o orçamento das paredes e chão e depois de passar a verba adiante com essa finalidade, Cristina, arquiteta italiana que ficará pelo colégio por mais quatro meses, irá supervisionar tudo e garantir o cumprimento da missão.

Pra quem viu a inauguração do Maracanã, bacana. Jogo pra inglês ver. Jogo bom mesmo é eliminatória africana da Copa do Mundo na nossa casa. Comprei ingressos pra assistir Quênia x Nigéria num estádio com capacidade pra sessenta mil cabeças. Se eu vestir verde, cor do adversário, não volto vivo. Até adquiri pros professores da Childrock, mas me informaram que não poderão ir por causa de um seminário bom pra instituição.

Chegou ao fim a arrecadação! A situação é a seguinte: pros atrasados de plantão, ainda dá pra contribuir. A única diferença é que não vou estar aqui pra dispor dos recursos e aplicar de forma consciente, então todo dinheiro que entrar a partir de hoje será imediatamente transferido pra conta da Childrock, no Quênia. Imensa ajuda, mas não posso me comprometer com os gastos, como prometi.

Eu também precisava saber exatamente o quanto teria no bolso pra trabalhar por esses últimos dias. E não dava pra ter ficado mais feliz. No começo da campanha, preocupei-me à beça com a possibilidade de dar errado e disse que ficaria muito feliz se alcançássemos dez mil reais. Com a benção do fera braba das nuvens e atuação linda de todos, chegamos aos inacreditáveis, inesquecíveis e inigualáveis R$30.725,87. Sem palavras pra agradecer o apoio de todos nessa empreitada que se aproxima do fim. Vocês são os verdadeiros responsáveis por todo o sucesso. Agora é colher os frutos e se deliciar com os resultados!

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Carga Explosiva


O terreno do colégio está comprado por 380.000 shillings. Essa tinha que ser a primeira frase do texto de hoje. Depois de rodadas de negociações com a proprietária, o valor final foi esse mesmo, papel passado, contrato embaixo do braço e certificado de propriedade em mãos. Tudo com o aval do Chairman de Fuata Nyayo, um pedacinho de Mukuro governada pelo chefe em questão.

Terreno adquirido e aluguel evitado para siempre. Sempre bacana lembrar que o pagamento era de 18.000 shillings mensais, o que significa uma despesa anual de 216.000, coisa de U$2700. Lembra dos 35.000 shillings que bancaram dois meses de alimentação? Pela matemática, cada mês sairia por 17.500, certo? Barriga vazia é coisa do passado. Iha!

Olha o banheiro!
Terei o prazer imenso de enumerar todas as conquistas numa publicação de fim de semana, mas só pra esclarecer: até agora foram investidos 705.000, aproximadamente U$8812. Com isso, sobram U$2.840 pra investir. Dentro do valor restante, U$1271 vem da arrecadação da alemã. Ela já contribuiu em U$1250 pra aquisição do terreno (100.000 shillings). O total da arrecadação dela é U$2521. Portanto, dos U$2.840 restantes, U$1569 estão soltos, enquanto U$1271 vinculados à disposição dela.

É que caso ela queira fazer uma ação diferente (mas dentro da Childrock), também pode. Chegou uma arquiteta italiana pra ficar por quatro meses, então pode ser que parte da receita restante da alemã vá pra o cofrinho Childrock da italiana, que me procurou pra fazer a sua própria campanha enquanto estiver por território queniano. Viva a corrente do bem!

Fechando as continhas, andar por Nairóbi com uma mochila recheada com a verba do terreno não foi fácil. Como muito se sabe, o gringo branco é uma espécie visada, com mochila, em dobro. O conteúdo nas minhas costas era suficiente pra mudar a vida de muita gente. Ainda bem que conseguimos canalizar essa grana pra mudar a vida da molecada da Childrock.

Pra sorte geral da nação, deu tudo certo e cheguei ao destino com o verdinho todo. Providenciamos a assinatura do contrato, o registro no “cartório” da favela e então só sorrisos pra todo lado. Ainda levei a camisa do Brasil pra presentear o diretor e umas fitinhas do Senhor do Bonfim (jurando não se tratar de bruxaria) pra entregar pra (antiga) dona do terreno e pro administrador de Mukuro.

Como se não fosse suficiente a alegria de proporcionar esse momento fundamental na história da instituição, ainda fui presenteado pela turma 6 do colégio, pra qual dei aula e mantenho uma relação gostosa demais com os alunos. Recebi um anel de plástico e duas pulseiras. Vindo de quem não tem nada pra dar a não ser amor, posso afirmar que foi um dos maiores presentes que recebi na vida. Último dia pra contribuir rapaziada. Clica aqui pra saber como! Vambora!

domingo, 2 de junho de 2013

Run, Forrest


Depois de ter ido dormir forçado pela falta de eletricidade (normal) acordei na paz da casa vazia e lancei pra dentro um cereal pela primeira vez. Como é minha última semana, resolvi investir meus últimos shillings numa caixa de sucrilhos. Na preguiça de ferver o leite, foi puro mesmo. Sem problemas, os acontecimentos que me aguardavam se resumiriam a engolir grãos de arroz a seco.

Tirar dinheiro pra Childrock faz parte do cotidiano. Principalmente com o objetivo de juntar dinheiro suficiente no bolso pra bancar a propriedade do colégio amanhã. E aí cinco camaradas resolveram fazer o dia deles em cima do Mzungu que passava pelo local. Andando de volta pra residência, resolveram me emboscar. Pra cima de mim, malandragem? Aí não.

É comum ver umas “gangues” dando volta com bastões na mão. Só ficar ligado e passar de fininho que ninguém mexe contigo. Domingo e com o lugar isolado é diferente. No que eu passei, os cavaleiros do mau levantaram e vieram atrás. Atravessei a rua. Só um deles atravessou também e ficou na minha frente, andando na mesma direção que eu.

Provavelmente esse fera braba iria dar meia volta e me segurar enquanto os outros vinham pelas costas. Quando percebi todos eles se posicionando atrás de moi pro abate do suposto “trouxa”, a intuição falou “corre” e foi prontamente obedecida. Abri pela direita do amiguinho na minha frente e brinquei de Usain Bolt. Pernas pra que te quero.

Dois vieram atrás de mim, mas Flash combinado com papa-léguas deixou um rastro de poeira na cara dos inimigos que logo desistiram. Assim que fiz a curva e perdi os sujeitos de vista, parei de correr e fiquei andando rápido. Malandro é o cavalo-marinho, que se faz de peixe pra não puxar carroça. Vamos fazer um acordo: eu não piso em seu terreno e você não pisa no meu (sempre Bezerra).

Sem almoço, fui cozinhar. Eu sou tão bom em cozinhar como o Jamie Oliver é em fazer malabarismo. E digo isso na esperança de que Jamie Oliver não saiba nem jogar um limão pro alto com as mãos. Descobri, com uma mãozinha da gravidade, que a bancada da cozinha é irregular. Foi só apoiar quatro ovos pra brincar de matemática. Tinham quatro ovos na bancada, dois rolaram pro chão e fizeram uma cagada monstruosa, quantos sobraram?

Sou tão profissional na arte da culinária que estou quase certo acerca da podridão dos ovos, mas na incerteza (e fome), acabei degustando dessa delícia. O gosto estava até razoável, mas as consequências foram dignas de arrependimento. Ai, minha barriga. Uma banana de “sobremesa” e o resto do dia com a cara verde de enjoo. Tá valendo, xá pra lá.

Amanhã é dia grande! Investimento de 380.000 shillings na aquisição do terreno. A digníssima dona do terreno comparecerá ao colégio e de lá vamos ao registro dos documentos. A propriedade fica em nome da Childrock mesmo, pra não ter perigo de que algum administrador surte e queria alienar o digníssimo pedaço de terra. Que marravilha, tipo Troisgros. Último dia pra contribuir amanhã!