segunda-feira, 10 de junho de 2013

Machozi Kwaheri


Em suaíle, significa lágrimas de adeus. Meu último dia de África se resumiu a emoções transbordando dos olhos.  Depois de todo esse tempo. Quatro meses no continente mais bonito e mais sofrido do mundo. As lições que não sei descrever, dizer. A história que não sei contar. As experiências que não sei explicar. Gratidão, realização, alegria e uma saudade.

Chegar no colégio pela última vez. Olhar pra carinhas cheias de esperança pela última vez. Receber e dar um sorriso. Receber e dar uma vida. Dentro do inferno, um palácio de promessas e expectativas. De gente pequena que nasceu imensa. Que precisa ser imensa. E que busca a educação como forma de sair dessa condição de miséria. Ninguém merece isso.

Chegar no colégio pela última vez. Olhar pras carinhas cheias de tristeza pela primeira vez. Os sentimentos eram bombas esperando pela faísca. Alegria e orgulho, pelas realizações. Desespero e saudade de estar deixando isso pra trás. Era só o começo. Fui recebido com aplausos, abraços e beijos. O banheiro estava pronto, precisava apenas ser pintado.

Depois de algum tempo, pra lá fomos. Com tinta branca nas mãos e quase todas as crianças da Childrock. Começava a pintura. Aproveitei o momento pra respirar. Era necessário. De repente as crianças abrem uma cartolina com as listas de realizações e desejos de alegria para mim. Tanta água nos olhos que não consegui tirar foto.

Passada a cartolina, a tinta branca não estava apenas sendo aplicada. Foi formada uma frase. A frase que me fez torcer a bandeira do Brasil com toda a força do mundo, num ímpeto de soltar leões de dentro da alma. O mesmo estandarte pátrio virou um lenço. Não para secar as lágrimas, mas para esconder o rosto. Soluçava sem parar. Escondia a face não por vergonha do suor caindo dos olhos, mas pra bloquear a visão do que se materializou a minha frente como a maior realização que obtive na vida.

Não fui capaz de parar. Aliás, ainda não sou. Voltamos para o colégio após a pintura e encontramos todos os alunos numa grande sala, em imensa cerimônia de despedida. Sem conseguir enxergar nitidamente pela quantidade de lágrimas, vi cada professor vir e agradecer, seguido de vários alunos. Recebi cartas, envelopes, presentes. Recebi vida.

Vem o depoimento da professora do pré-primário. Segurando o pranto, ela diz que seus alunos falaram pra ela que Deus havia chegado ao colégio. Chorando, nos abraçamos. O vento bateu. Deus havia chegado ao colégio, sim. Naquela hora. Tenho certeza. Com o olhar embaçado, disse pra elas nunca desistirem dos seus sonhos e jamais deixarem alguém dizer que não é possível. Sempre será.

Ao Quênia, meus mais sinceros agradecimentos por toda a experiência e aprendizado que levo para sempre no meu coração. À Childrock, a promessa de voltar e uma saudade que não cabe no peito. À África, o silêncio. De luto, não. Silêncio pela falta de formas de expressar qualquer “obrigado” por tudo que passei, das coisas boas às ruins. Essa montanha russa que não para nem dá trégua. Afinal, TIA. This is Africa.

4 comentários:

  1. Quem lê também não encontra palavras que traduzam a admiração pelo que você fez,um rapaz tão jovem com tanta clareza,determinação,sonhos e atitudes,com tanta sensibilidade,com tanto amor,com capacidade de se colocar no lugar do outro.Quem acompanhou um pouquinho do seu dia a dia se sente orgulhosa de vc e aprendeu alguma coisa.Obrigada por compartilhar suas experiências e tudo de bom para você,hoje e sempre,Lilian

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  2. Um grande exemplo de vida! PARABÉNS!!! Arnaldo Bichucher

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  3. Lindo texto! entendo um pouco esse sentimento, estive no Kenya em dezembro e janeiro, e vou te dizer q ta muito difícil tirar da cabeça! prepare-se! rs
    Parabéns pelo blog!
    bjos

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  4. Bruno, absurdamente lindo tudo oq vc escreveu! to procurando palavras p/ explicar mas nao consigo...fiquei mto emocionada c seu texto! Nao existe forma de agradecer tudo q vc fez por essas criancas, por esse povo....uma expressao do mais sincero amor possivel! Muito lindo ver isso! Que Deus lhe dê tudo em dobro! Nao consigo imaginar a felicidade e realizacao q vc deve ta sentindo..e ao mesmo tempo tristeza e saudade! Fica com Deus! parabens mais uma vez pela admiravel coragem de ter feito essa "aventura"! Beijos

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