domingo, 9 de junho de 2013

Retrospectiva

Sem esperanças e sem sorrisos, cheguei na Tanzânia. Um país totalmente desconhecido, uma realidade de romper as barreiras e defesas de qualquer ser humano. Entro no carro e passo por todo o cenário aterrador. Pessoas vagando pra lá e pra cá, prestando atenção na “procissão” daquele sujeito de outra cor, sem entender muito qual seria o propósito daquele rapaz.

Sem qualquer noção do que iria viver. Sabia que estava ali pra dar aulas de Direitos Humanos. Como, por que ou pra quem, desconhecia. Pouso na casa errada, privada de tudo que era comumente usado no cotidiano brasileiro. Geladeira, travesseiro, pratos, garfos, eletricidade, água. Todos ausentes. Móveis, nem pensar. Só gente numa casa esquisita.

Ainda fui chegar num final de semana, que me cegou quanto ao propósito de estar abdicando de tanta coisa. Desespero total, penso em voltar. Não posso, preciso perseverar. Vai melhorar, Bruno. Fica calmo. As coisas com as quais havia crescido sem dar qualquer valor, logo nos primeiros dias se tornavam parte de lembranças pra daqui a meses. A guerra começava.

Mudando pra casa certa, conhecendo gente e o trabalho começou. Acrescentando um pouco a cada jovem mentalidade, fazendo uma diferença significativa em cada conversa, cada aula. Se tornou uma paixão em mais alguns poucos dias. E de repente, o sacrifício nem existia mais. Existia uma realidade diferente, uma realidade que valia a pena lutar pra mudar, acrescentar, evoluir.

E me vi apaixonado pela Tanzânia. Aquela falta de ar, coração batendo rápido. Por um país. Milhões de dificuldades e problemas logo ali. Nem importava. Surge um princípio de razão. Um prazer imenso em levantar cedo, andar sete horas dentro de vans lotadas, suando feito porco pra tentar deixar um pouquinho de mim e receber um pouquinho deles. Ficar sem comer ou beber água, sem tomar banho ou sem luz tornou-se normal.

Como pode chegar tanta alegria numa situação como essa? Nesse instante, inúmeros aprendizados colhidos. Dos mais básicos aos mais complexos. O mundo se explicava. O valor da viagem era maior do que o valor de várias vidas inteiras. Uma saudade absurda da família e dos amigos, mas do conforto? Nem um pouco. Talvez da cultura, talvez da alimentação. Que bobagem.

Num piscar de olhos, deixei minha alma em Dar es Salaam. No país que amei incondicionalmente. Fui totalmente correspondido e a Tanzânia me amou de volta. Nada melhor que isso. Perrengues mil, felicidades eternas. Aprendi a viver na pobreza e ser a pessoa mais feliz do mundo. O esperado encontro profissional aconteceu. Uma paz de espírito tomou conta como nunca antes visto. Suspiro. Mesmo do Quênia, minha gratidão pela experiência tanzaniana é indescritível e a evolução, evidente até pros olhos mais desatentos. Asante Sana, Tanzânia.

Sou arrancado das aulas de Direitos Humanos e do meu novo sonho pela força do tempo. De repente, Nairóbi. Uma cidade imensa, metrópole. Caos nas ruas. Residência de ouro. Quase todas as regalias são trazidas de volta. Uma casa boa, conforto. Qual era o sentido disso? Conforto pra quê? Ninguém precisa de conforto pra ser feliz. Precisa só se encontrar e se amar, de verdade.

Eis que chego em Mukuro, Childrock. Dar aulas de... inglês? Esse é o impacto que quero causar? Ensinar inglês? Acabou? Não pode. Dentro de um dilema imenso de viver no conforto e trabalhar na miséria mais profunda que vi na vida, fico mal. Choro, me frustro. Sair de um país incrível, do meu santuário, pra vir pra uma cidade caótica ensinar inglês numa favela?

Não há descontentamento que não possa ser revertido e não há ausência de iniciativa jamais. Começo a organizar a campanha na minha cabeça. Será que vai dar certo? Bom, se eu chegar a cinco mil reais está excelente. Vai dar pra construir o banheiro deles, vou deixar um legado. Tento estruturar cada detalhe, cada possibilidade, cada ação. Está lançada a arrecadação de fundos.

Dois, quatro, dez, vinte. Trinta. Trinta mil reais. Um mundo de possibilidades, de realizações. Um mundo de conquistas. Se o sentimento da Tanzânia era de realização pessoal, o Quênia foi a explosão. Explodi. Não tenho como me conter em tanta felicidade, tanto orgulho e tanta vontade. Pra quem havia vivido tempos difíceis pré-África, de indecisões, dúvidas e incertezas, o caminho agora era o certo.

Claro que o Quênia apresentou novos problemas e novos desafios. Mas era tarde demais pra eles. Sou um dos melhores amigos de todas as confusões e obstáculos. Sou fã número um. Venham. Tô pronto. Nada pode me parar. Se parar, é só pra pensar, refletir, questionar e aprender, como sempre fiz. Passada essa parte, seguir em frente ainda mais forte. Nada pode me parar.

Perto de sair de cá, alegria pela jornada, saudade de um tempo que ainda não acabou. Não vou dar tchau por ainda tenho amanhã, mas a vida é mesmo questão de perspectiva. “Maneira” é a palavra que contém todos os segredos do mundo. Maneira de falar, de ver, de pensar. Todas as dificuldades viram pedrinha no sapato. Bem pequenininha. É sua opção tirar de lá e aprender com ela ou deixar incomodar tanto até sangrar. Até amanhã, meu último dia. Cheio de esperanças e sorrisos.

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