Sem esperanças e sem sorrisos, cheguei
na Tanzânia. Um país totalmente desconhecido, uma realidade de romper as
barreiras e defesas de qualquer ser humano. Entro no carro e passo por todo o
cenário aterrador. Pessoas vagando pra lá e pra cá, prestando atenção na
“procissão” daquele sujeito de outra cor, sem entender muito qual seria o
propósito daquele rapaz.
Sem qualquer noção do que iria
viver. Sabia que estava ali pra dar aulas de Direitos Humanos. Como, por que ou
pra quem, desconhecia. Pouso na casa errada, privada de tudo que era comumente
usado no cotidiano brasileiro. Geladeira, travesseiro, pratos, garfos,
eletricidade, água. Todos ausentes. Móveis, nem pensar. Só gente numa casa
esquisita.
Ainda fui chegar num final de
semana, que me cegou quanto ao propósito de estar abdicando de tanta coisa.
Desespero total, penso em voltar. Não posso, preciso perseverar. Vai melhorar,
Bruno. Fica calmo. As coisas com as quais havia crescido sem dar qualquer
valor, logo nos primeiros dias se tornavam parte de lembranças pra daqui a
meses. A guerra começava.
Mudando pra casa certa, conhecendo
gente e o trabalho começou. Acrescentando um pouco a cada jovem mentalidade,
fazendo uma diferença significativa em cada conversa, cada aula. Se tornou uma
paixão em mais alguns poucos dias. E de repente, o sacrifício nem existia mais.
Existia uma realidade diferente, uma realidade que valia a pena lutar pra
mudar, acrescentar, evoluir.
E me vi apaixonado pela Tanzânia.
Aquela falta de ar, coração batendo rápido. Por um país. Milhões de
dificuldades e problemas logo ali. Nem importava. Surge um princípio de razão.
Um prazer imenso em levantar cedo, andar sete horas dentro de vans lotadas,
suando feito porco pra tentar deixar um pouquinho de mim e receber um pouquinho
deles. Ficar sem comer ou beber água, sem tomar banho ou sem luz tornou-se
normal.
Como pode chegar tanta alegria numa
situação como essa? Nesse instante, inúmeros aprendizados colhidos. Dos mais
básicos aos mais complexos. O mundo se explicava. O valor da viagem era maior
do que o valor de várias vidas inteiras. Uma saudade absurda da família e dos
amigos, mas do conforto? Nem um pouco. Talvez da cultura, talvez da alimentação.
Que bobagem.
Num piscar de olhos, deixei minha
alma em Dar es Salaam. No país que amei incondicionalmente. Fui totalmente
correspondido e a Tanzânia me amou de volta. Nada melhor que isso. Perrengues
mil, felicidades eternas. Aprendi a viver na pobreza e ser a pessoa mais feliz
do mundo. O esperado encontro profissional aconteceu. Uma paz de espírito tomou
conta como nunca antes visto. Suspiro. Mesmo do Quênia, minha gratidão pela experiência
tanzaniana é indescritível e a evolução, evidente até pros olhos mais
desatentos. Asante Sana, Tanzânia.
Sou arrancado das aulas de Direitos
Humanos e do meu novo sonho pela força do tempo. De repente, Nairóbi. Uma
cidade imensa, metrópole. Caos nas ruas. Residência de ouro. Quase todas as
regalias são trazidas de volta. Uma casa boa, conforto. Qual era o sentido
disso? Conforto pra quê? Ninguém precisa de conforto pra ser feliz. Precisa só
se encontrar e se amar, de verdade.
Eis que chego em Mukuro, Childrock.
Dar aulas de... inglês? Esse é o impacto que quero causar? Ensinar inglês? Acabou?
Não pode. Dentro de um dilema imenso de viver no conforto e trabalhar na
miséria mais profunda que vi na vida, fico mal. Choro, me frustro. Sair de um
país incrível, do meu santuário, pra vir pra uma cidade caótica ensinar inglês
numa favela?
Não há descontentamento que não
possa ser revertido e não há ausência de iniciativa jamais. Começo a organizar
a campanha na minha cabeça. Será que vai dar certo? Bom, se eu chegar a cinco
mil reais está excelente. Vai dar pra construir o banheiro deles, vou deixar um
legado. Tento estruturar cada detalhe, cada possibilidade, cada ação. Está
lançada a arrecadação de fundos.
Dois, quatro, dez, vinte. Trinta.
Trinta mil reais. Um mundo de possibilidades, de realizações. Um mundo de
conquistas. Se o sentimento da Tanzânia era de realização pessoal, o Quênia foi
a explosão. Explodi. Não tenho como me conter em tanta felicidade, tanto
orgulho e tanta vontade. Pra quem havia vivido tempos difíceis pré-África, de
indecisões, dúvidas e incertezas, o caminho agora era o certo.
Claro que o Quênia apresentou novos
problemas e novos desafios. Mas era tarde demais pra eles. Sou um dos melhores
amigos de todas as confusões e obstáculos. Sou fã número um. Venham. Tô pronto.
Nada pode me parar. Se parar, é só pra pensar, refletir, questionar e aprender,
como sempre fiz. Passada essa parte, seguir em frente ainda mais forte. Nada
pode me parar.
Perto de sair de cá, alegria pela jornada,
saudade de um tempo que ainda não acabou. Não vou dar tchau por ainda tenho
amanhã, mas a vida é mesmo questão de perspectiva. “Maneira” é a palavra que
contém todos os segredos do mundo. Maneira de falar, de ver, de pensar. Todas
as dificuldades viram pedrinha no sapato. Bem pequenininha. É sua opção tirar
de lá e aprender com ela ou deixar incomodar tanto até sangrar. Até amanhã, meu
último dia. Cheio de esperanças e sorrisos.
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