Em suaíle, significa lágrimas de
adeus. Meu último dia de África se resumiu a emoções transbordando dos
olhos. Depois de todo esse tempo. Quatro
meses no continente mais bonito e mais sofrido do mundo. As lições que não sei
descrever, dizer. A história que não sei contar. As experiências que não sei
explicar. Gratidão, realização, alegria e uma saudade.
Chegar no colégio pela última vez.
Olhar pra carinhas cheias de esperança pela última vez. Receber e dar um
sorriso. Receber e dar uma vida. Dentro do inferno, um palácio de promessas e
expectativas. De gente pequena que nasceu imensa. Que precisa ser imensa. E que
busca a educação como forma de sair dessa condição de miséria. Ninguém merece
isso.
Chegar no colégio pela última vez.
Olhar pras carinhas cheias de tristeza pela primeira vez. Os sentimentos eram
bombas esperando pela faísca. Alegria e orgulho, pelas realizações. Desespero e
saudade de estar deixando isso pra trás. Era só o começo. Fui recebido com
aplausos, abraços e beijos. O banheiro estava pronto, precisava apenas ser
pintado.
Depois de algum tempo, pra lá
fomos. Com tinta branca nas mãos e quase todas as crianças da Childrock.
Começava a pintura. Aproveitei o momento pra respirar. Era necessário. De
repente as crianças abrem uma cartolina com as listas de realizações e desejos de
alegria para mim. Tanta água nos olhos que não consegui tirar foto.
Passada a cartolina, a tinta branca
não estava apenas sendo aplicada. Foi formada uma frase. A frase que me fez
torcer a bandeira do Brasil com toda a força do mundo, num ímpeto de soltar leões
de dentro da alma. O mesmo estandarte pátrio virou um lenço. Não para secar as
lágrimas, mas para esconder o rosto. Soluçava sem parar. Escondia a face não por vergonha do suor caindo dos olhos, mas pra bloquear a visão do que se materializou a minha frente como a maior realização que obtive na vida.
Não fui capaz de parar. Aliás,
ainda não sou. Voltamos para o colégio após a pintura e encontramos todos os
alunos numa grande sala, em imensa cerimônia de despedida. Sem conseguir
enxergar nitidamente pela quantidade de lágrimas, vi cada professor vir e
agradecer, seguido de vários alunos. Recebi cartas, envelopes, presentes.
Recebi vida.
Vem o depoimento da professora do
pré-primário. Segurando o pranto, ela diz que seus alunos falaram pra ela que
Deus havia chegado ao colégio. Chorando, nos abraçamos. O vento bateu. Deus
havia chegado ao colégio, sim. Naquela hora. Tenho certeza. Com o olhar
embaçado, disse pra elas nunca desistirem dos seus sonhos e jamais deixarem
alguém dizer que não é possível. Sempre será.
Ao Quênia, meus mais sinceros
agradecimentos por toda a experiência e aprendizado que levo para sempre no meu
coração. À Childrock, a promessa de voltar e uma saudade que não cabe no peito.
À África, o silêncio. De luto, não. Silêncio pela falta de formas de expressar qualquer
“obrigado” por tudo que passei, das coisas boas às ruins. Essa montanha russa
que não para nem dá trégua. Afinal, TIA. This
is Africa.
Sem esperanças e sem sorrisos, cheguei
na Tanzânia. Um país totalmente desconhecido, uma realidade de romper as
barreiras e defesas de qualquer ser humano. Entro no carro e passo por todo o
cenário aterrador. Pessoas vagando pra lá e pra cá, prestando atenção na
“procissão” daquele sujeito de outra cor, sem entender muito qual seria o
propósito daquele rapaz.
Sem qualquer noção do que iria
viver. Sabia que estava ali pra dar aulas de Direitos Humanos. Como, por que ou
pra quem, desconhecia. Pouso na casa errada, privada de tudo que era comumente
usado no cotidiano brasileiro. Geladeira, travesseiro, pratos, garfos,
eletricidade, água. Todos ausentes. Móveis, nem pensar. Só gente numa casa
esquisita.
Ainda fui chegar num final de
semana, que me cegou quanto ao propósito de estar abdicando de tanta coisa.
Desespero total, penso em voltar. Não posso, preciso perseverar. Vai melhorar,
Bruno. Fica calmo. As coisas com as quais havia crescido sem dar qualquer
valor, logo nos primeiros dias se tornavam parte de lembranças pra daqui a
meses. A guerra começava.
Mudando pra casa certa, conhecendo
gente e o trabalho começou. Acrescentando um pouco a cada jovem mentalidade,
fazendo uma diferença significativa em cada conversa, cada aula. Se tornou uma
paixão em mais alguns poucos dias. E de repente, o sacrifício nem existia mais.
Existia uma realidade diferente, uma realidade que valia a pena lutar pra
mudar, acrescentar, evoluir.
E me vi apaixonado pela Tanzânia.
Aquela falta de ar, coração batendo rápido. Por um país. Milhões de
dificuldades e problemas logo ali. Nem importava. Surge um princípio de razão.
Um prazer imenso em levantar cedo, andar sete horas dentro de vans lotadas,
suando feito porco pra tentar deixar um pouquinho de mim e receber um pouquinho
deles. Ficar sem comer ou beber água, sem tomar banho ou sem luz tornou-se
normal.
Como pode chegar tanta alegria numa
situação como essa? Nesse instante, inúmeros aprendizados colhidos. Dos mais
básicos aos mais complexos. O mundo se explicava. O valor da viagem era maior
do que o valor de várias vidas inteiras. Uma saudade absurda da família e dos
amigos, mas do conforto? Nem um pouco. Talvez da cultura, talvez da alimentação.
Que bobagem.
Num piscar de olhos, deixei minha
alma em Dar es Salaam. No país que amei incondicionalmente. Fui totalmente
correspondido e a Tanzânia me amou de volta. Nada melhor que isso. Perrengues
mil, felicidades eternas. Aprendi a viver na pobreza e ser a pessoa mais feliz
do mundo. O esperado encontro profissional aconteceu. Uma paz de espírito tomou
conta como nunca antes visto. Suspiro. Mesmo do Quênia, minha gratidão pela experiência
tanzaniana é indescritível e a evolução, evidente até pros olhos mais
desatentos. Asante Sana, Tanzânia.
Sou arrancado das aulas de Direitos
Humanos e do meu novo sonho pela força do tempo. De repente, Nairóbi. Uma
cidade imensa, metrópole. Caos nas ruas. Residência de ouro. Quase todas as
regalias são trazidas de volta. Uma casa boa, conforto. Qual era o sentido
disso? Conforto pra quê? Ninguém precisa de conforto pra ser feliz. Precisa só
se encontrar e se amar, de verdade.
Eis que chego em Mukuro, Childrock.
Dar aulas de... inglês? Esse é o impacto que quero causar? Ensinar inglês? Acabou?
Não pode. Dentro de um dilema imenso de viver no conforto e trabalhar na
miséria mais profunda que vi na vida, fico mal. Choro, me frustro. Sair de um
país incrível, do meu santuário, pra vir pra uma cidade caótica ensinar inglês
numa favela?
Não há descontentamento que não
possa ser revertido e não há ausência de iniciativa jamais. Começo a organizar
a campanha na minha cabeça. Será que vai dar certo? Bom, se eu chegar a cinco
mil reais está excelente. Vai dar pra construir o banheiro deles, vou deixar um
legado. Tento estruturar cada detalhe, cada possibilidade, cada ação. Está
lançada a arrecadação de fundos.
Dois, quatro, dez, vinte. Trinta.
Trinta mil reais. Um mundo de possibilidades, de realizações. Um mundo de
conquistas. Se o sentimento da Tanzânia era de realização pessoal, o Quênia foi
a explosão. Explodi. Não tenho como me conter em tanta felicidade, tanto
orgulho e tanta vontade. Pra quem havia vivido tempos difíceis pré-África, de
indecisões, dúvidas e incertezas, o caminho agora era o certo.
Claro que o Quênia apresentou novos
problemas e novos desafios. Mas era tarde demais pra eles. Sou um dos melhores
amigos de todas as confusões e obstáculos. Sou fã número um. Venham. Tô pronto.
Nada pode me parar. Se parar, é só pra pensar, refletir, questionar e aprender,
como sempre fiz. Passada essa parte, seguir em frente ainda mais forte. Nada
pode me parar.
Perto de sair de cá, alegria pela jornada,
saudade de um tempo que ainda não acabou. Não vou dar tchau por ainda tenho
amanhã, mas a vida é mesmo questão de perspectiva. “Maneira” é a palavra que
contém todos os segredos do mundo. Maneira de falar, de ver, de pensar. Todas
as dificuldades viram pedrinha no sapato. Bem pequenininha. É sua opção tirar
de lá e aprender com ela ou deixar incomodar tanto até sangrar. Até amanhã, meu
último dia. Cheio de esperanças e sorrisos.
Olho pro teclado. Ao invés de virem
poucas palavras, vêm todas. Juntas. Ao mesmo tempo. Todas as formas de expressão
existentes no planeta. Tento me convencer de que escrever vai ser um desperdício
de tempo. Um desperdício de palavras. É quase impossível escrever na mesma dimensão
do que vivi. Escrevendo todo dia era insuficiente. Fazer isso num dia só. É
quase impossível. Mesmo.
Vivi mundos de televisão, de contos
de fada que não são contados. De filmes. De amores, de compaixão. De
sacrifício. De luta, de vontade. De força de vontade. De ajuda. Auxílio pra mim
e pra todos. De descobertas. De conquista. De mais conquistas. De superação. De
liderança. De autonomia, liberdade. De saudades. De mais e mais saudades. De
valorização. De vida.
Saudade dos amigos que eu sempre
tive e dos amigos que ainda vou ter. Saudade de viver. Pode parecer confuso dar
vontade de viver mais do que isso. Depois de ter vivido um extremo da vida, um
máximo possível pra um período de tempo curto. É um dos sentimentos mais
gostosos do mundo. Parece que a vida ganhou sentido. Não parece não, ganhou
mesmo. Ao contrário de correr atrás de algo, de uma motivação pra viver. A
motivação tá sempre ali, olhando.
E qualquer hora dessas ela dá o
bote. Te pega de surpresa, no pescoço. Ao invés de dor, a injeção de vida abre
os olhos. Escancara os horizontes. As possibilidades. É como se até então tivesse
vivido com vendas. No escuro. De repente, cores. Cores, cores. Um universo tão
grande de cores que assusta. Assusta sem assustar, em ondas de alegrias e
sentimentos.
Como se a capacidade de respirar
fosse novidade, a mente começa a trabalhar em sincronia com o coração. De
repente, a guerra acabou. Corpo e alma, juntos no mesmo lugar. Sem mais se
preocupar com nada, sem mais temer. Pura vontade de continuar, de seguir em
frente. Alma que não foge, mas vive. Corpo que não morre, sorri.
A sensação de ser infinito. De ter
se perpetuado no tempo. De valer a pena, cada segundo. De vibrar com os
momentos ruins e chorar com os momentos bons, numa sincronia meio sem sentido.
De aprender na bonança e curtir as dificuldades. Brindar às tarefas, às
barreiras, essas eternas lições de vida. A felicidade em tempos difíceis. O
riso na crise.
E de repente a cabeça volta ao desperdício
de palavras. Ficou bom? Foi suficiente. Não, com certeza não. Mas nunca seria,
nem nunca será. Vivência exige vida. Respirar, planejar e fazer. Sentir e aprender.
Observar, brincar, reagir. Surtar, lembrar, sorrir. Se perder só pra ter o
prazer de se achar. O passatempo de se amar. Ou viver. Dá no mesmo.
A publicação mais esperada do blog.
O orgulho. A alegria. A realização. Chegou a hora de divulgar todos os
inacreditáveis resultados e inesquecíveis conquistas que juntos fizemos aqui no
Quênia. Numa boa, fizemos história. O legado que vai ficar aqui é imenso. Ouvi
de todos da organização que nunca fizeram tanto pela Childrock como nós
fizemos. Tá todo mundo de parabéns!
Essa publicação será imensa, mas
óbvio que ninguém se importa. Porque vai ter uma foto pra ilustrar cada pedacinho
de céu que atingimos. Será enumerada numa “ordem” de importância, explicando
tudo que envolveu a chegada à meta. O tiro foi certeiro e não tivemos espaços
pra erros. Sorriso garantido ou seu dinheiro de volta. E eu duvido de quem
disser que não abriu um sorriso de orelha a orelha.
1. Propriedade do Terreno: a mais
cara e a mais importante. Não foi “dar o peixe”, como fornecer comida, material
escolar, que apesar de fundamentais perecem depois de (muito) tempo. Comprar a
propriedade trouxe um alívio de 18.000 shillings, U$225 todo santo mês aos
bolsos da instituição. Considerando que a receita da Childrock é de 23.000
shillings, o aluguel comprometia quase sempre a continuidade do trabalho. Não
mais!
Depois de várias negociações pra se
chegar a um valor razoável, o contrato foi assinado e o certificado passado a
limpo pelo secretário da favela de Mukuro. A comemoração foi imensa. Saber que
a Childrock dispõe de 23.000 shillings mensais sem maiores preocupações é a
garantia de que a árdua tarefa de educar jovens menos privilegiados da favela
queniana vai continuar na ativa por anos e anos. A aquisição custou 380.000 shillings,
o equivalente a U$4.750.
2. Banheiro: “professor, posso ir
ao banheiro?”. Pode. A inexistência de banheiros na favela fazia com que as
crianças aliviassem suas necessidades no meio das ruas, na porta de casas ou
até em sacos plásticos que eram jogados pela janela depois, criando o termo “flying toilets”. Embora não influencie diretamente
na educação, um espaço para poder “descarregar” à vontade é indispensável. Só temos
dificuldade de entender a necessidade porque nunca deixamos de ter um toalete à
disposição.
O orçamento demorou a sair, mas depois
foi só curtir (e suar muito) pra aproveitar a subida meteórica das instalações.
A inauguração vai ser na segunda-feira, no mesmo dia que me vou, mas o banheiro
está prontinho. Faltam alguns detalhes que serão resolvidos hoje e amanhã. Diferente
de reformar ou de aquisições que “não são palpáveis”, ver um espaço vazio se
transformar num toalete dá um orgulho fora de série. Apesar de ter começado com
a previsão de gastar U$1.600 e poucos, fechou em 160.000 shillings, ou U$2.000,
em função de uma série de novas necessidades não previstas.
3. Livros: os professores são bons,
mas não fazem milagre. Todo ensino sério, seja pelo método que for, precisa do
acompanhamento de livros. Os livros são a alma da educação há décadas e
essenciais para o desenvolvimento de qualquer criança. Antes da nossa
empreitada, praticamente nenhuma criança tinha livros e o colégio não possuía
recursos suficientes pra bancar novos materiais.
Agora, todas as crianças estão
devidamente equipadas com as ferramentas do ensino. E não só pra uma ou duas
matérias não, pra todas. Ciências Sociais (História e Geografia), Inglês,
Matemática, Ciências, Estudo Religioso e Suaíle. Ao mesmo tempo, os livros
pertencem à Childrock e serão passados de geração em geração. Passou de ano,
deixa os livros pros que vêm atrás e aproveite os livros novos. O custo total
foi de 120.000 shillings incluindo material escolar, o que dá U$1.500.
4. Renovação do Colégio: etapa
final da campanha, todas as paredes serão trocadas, com novas folhas de zinco
e pintura. Infelizmente não é possível colocar tijolos ou até pedras por
determinação da secretaria da favela, mas a melhora será imensa. Pra quem não
sabe, a escola se localiza em Mukuro há um ano, após incêndio que destruiu
todas as salas em outra área de Nairóbi. As paredes e o teto são sucata do
incêndio com uma mão de tinta, mas cheios de furos e ferrugem.
Não há “chão”. O solo é natural,
composto por pedras e barro. Portanto, o desnível causa acidentes tanto em
crianças quanto em objetos do colégio, como por exemplo, carteiras. Cimentar
todo o local garante um ambiente sem riscos e com mais cara de escola. Além
disso, o teto está caindo aos pedaços, e por caindo entenda-se caindo mesmo. Será
trocado. Tudo isso no custo de 230.000 shillings, coisa de U$2.875. Essa mudança será investimento de agora, mas só colheremos frutos em futuro próximo. Tanto os novos intercambistas, quanto os diretores e o pessoal da AIESEC irão nos atualizar dessa empreitada!
5. Armários e Carteiras: um dos
grandes problemas da pré-escola e da diretoria é a ausência de armários para a organização
de livros, documentos e demais. Depois de ter comprado todos os livros, onde
eles seriam guardados? Por isso, providenciamos a compra de dois armários, cada
um com uma finalidade diferente. Além, compramos dez carteiras novas pra
meninada da pré-escola, pois as antigas eram altas e inalcançáveis pelos
alunos. Custo total de 40.000 shillings, U$500.
6. Renovação da Cozinha: Estava
prestes a desabar o local adequado para cozinhar. Não é exatamente um fogão,
mas um local para inserir a lenha e botar uma panela imensa pra ferver.
Enferrujado e muito velho, o equipamento teria que ser substituído para que as
crianças continuassem tendo o que comer. Não ficou só por isso e adquirimos
também pratos, talheres, copos e panelas novos. Custou a bagatela de 20.000
shillings, coisa de U$250.
7. Alimentação: Saco vazio não fica
em pé. Assim que cheguei, a comida estava acabando e as crianças estavam há
dias sem comer. Não adianta nada estruturar uma melhora a longo prazo se os
alunos não vão conseguir usufruir de todas as novidades por causa de barriga vazia.
É fundamental, mas não se perpetua no tempo. Indispensável, mas passageiro.
Caso não tivéssemos feito todo o resto, esse investimento seria apenas um “peixinho”.
O custo inicial foi de 35.000 shillings, U$438. Ah, esse valor representa alimento
pra dois meses.
8. Professores: apesar de todas as
melhoras, o salário dos professores está atrasado. Então com os nossos 95.000
shillings restantes (o resto vem da alemã), salários serão pagos e postos em
dia. Não adianta nada ter isso tudo, alunos alimentados, felizes, ambiente
excelente, enquanto professores abandonam a causa por falta de pagamento.
U$1.187.
9. Outros Gastos: eventualmente,
foi necessário pagar um carroceiro, um caminhão ou até outros meios de transporte
pra trazer os materiais, sejam eles livros ou cimento. Outras vezes, um pequeno
agrado aos professores de salário atrasado, como refrigerantes e um lanche.
Hoje, por exemplo, fizemos uma pequena festa de aniversário pra uma aluna
espetacular da turma seis, aquela do vídeo que quer ser “tutor”, lembra? Essas despesas juntas somaram 10.000 shillings,
U$125.
Pois é. A sensação de orgulho é
inigualável. Não minha, mas de todos nós. Não canso de repetir, fizemos
história. Com todos esses investimentos, posso voltar pra casa satisfeito.
Cheio de história pra contar, numa honra surreal de ter feito parte dessa
campanha que construímos juntos, vocês daí do Brasil e eu do lado de cá do
oceano.
Que todos nós sejamos feitos de
exemplo pra várias iniciativas que estão por vir pela nossa terrinha e por
outras partes do mundo! A alegria é imensa e contagiante! Parabéns pessoal, o
choro de alegria está liberado, né? Essa vitória é nossa! Divulgue, espalhe,
sorria e viva essa emoção. O sentimento é gostoso demais e está à disposição.
Pra não perder o velho hábito, vamos que vamos!
Existem certas ambições que não se
explicam. Muitos jovens ambicionam fazer o primeiro milhão nos seus vinte e
poucos anos. Apesar de ser uma ideia de riqueza e bem-estar financeiro, não é
isso que importa no final das contas, não é verdade? Trabalhar feito escravo
pra atingir um número na conta bancária me parece fazer muito pouco sentido,
mas tudo bem.
Agora sabe aquele seu amigo que
ficava procurando namorada por um tempão e não achava? “Tá difícil, não aparece
ninguém bacana”. Pode parecer loucura, mas reza a lenda que quanto mais se
procura e se fixa em determinado objetivo, ignorando o que surge ao redor,
menores as chances de atingir o alvo. E isso está sendo dito por que mesmo?
Porque somos milionários. É isso
aí. Do alto das minhas vinte e duas juvenis primaveras, atingi(mos) o primeiro
milhão. Quem se importa que foi em shillings? Quem se importa que foi somando a
iniciativa de todo mundo junto? Acima de tudo, quem se importa? Chegar a um
milhão é a maior besteira do mundo, mas investir um milhão de shillings numa
mudança revolucionária no Quênia, aí sim.
O que significa que dinheiro existe
pra suprir desigualdades sociais e ser gasto em coisa boa. O problema está na
forma de interpretar o termo “coisa boa”. Em nenhum momento da campanha quis
apelar pro “você está gastando muito mais numa noitada do que em caridade”.
Cada um faz o que quer e o que acha certo. Certo?
Dinheiro é papel. Sem ser investido
ou depositado em algo, continua sendo papel. Na era dos bancos, deixou até de ser
papel pra virar um número. Esse número é tão importante como o número de vezes
que você abre a geladeira pra pensar após acabar o Faustão no domingo. O que
não é nem um pouco importante. Dessa afirmativa espero a unanimidade.
Um milhão de shillings significam
doze mil e quinhentos dólares, aproximadamente. Mas não temos “só isso”. A
receita total ficou em um 1.165.345,13 shillings. Isso dá coisa U$14.386 (um
pouco menos, o dólar subiu antes da remessa da verba pro cartão). Até
segunda-feira, a expectativa é ter investido cada centavo. Alguns poucos
dólares de contribuição alemã ficarão pra depois porque a madame tem mais tempo
de Nairóbi e pode administrar depois que eu me for.
Bacana reiterar que a arrecadação fechou as
portas. Como disse, ainda posso receber o dinheiro e enviar para a conta da
instituição, mas sem qualquer controle sobre a verba. Por isso, por favor, aos que
quiserem continuar contribuindo com a causa, entrem em contato pelo bruno.sterenberg@gmail.com
ou facebook para providenciarmos o envio ao Quênia. Mesmo os que estão
recebendo seus vídeos agora, podem publicar à vontade, é de vocês. Por favor, só evitem direcionar os esforços pra minha conta, apenas pro meu contato para
arranjarmos o esquema de mandar direto pra cá, tudo bem? Vamos que vamos!
Pra quem tava com saudade, “que
dia”. Andamentos mil pela Childrock, investimentos ao horizonte e estádio pra
ver eliminatórias da Copa. Pena que o Quênia perdeu de um a zero pra Nigéria. O
gol saiu de um contra-ataque e foi uma pintura. Depois de ganhar na corrida do
zagueiro, o atacante encobriu o goleiro e a bola foi entrando devagarzinho na
rede pátria.
Antes de chegarmos ao jogo, vamos
ao que interessa. Childrock de manhã cedo pra ninguém botar defeito, com
telhado e acabamento do banheiro ficando prontos no final do dia. Amanhã é só furar
o chão pra conectar com o encanamento e inserir a privada. Os anseios
inauguratórios são imensos. Erick pediu pra esperar até segunda pra cerimônia oficial com todos os alunos. Nada mais justo, é tudo pra eles mesmo. Mas o dia não se resumiu a isso não.
Com uma verba boa ainda para
investimento, averiguamos nos últimos dias a possibilidade de renovar todas as
paredes e cimentar o chão, dando uma cara bacana de “escola” mesmo. Recebi o
orçamento e está bem compatível com o nosso alvo. 215.000 shillings, coisa de aproximadamente
U$2.687 dólares. Como disse antes, toda essa parte será investida por nós
(vocês que fizeram todo esse sonho possível e quem vos escreve), embora a
supervisão fique a critério da arquiteta italiana.
Confesso que ainda não botei na
ponta do lápis, mas, além disso, sobrará cash
para os professores e mais um bocado pro programa de alimentação. Não consigo
esperar a hora de enumerar todas as conquistas, mesmo. A ficha ainda não caiu
não. Trata-se de verdadeira revolução. Fizemos história por aqui, vocês tão
sabendo? Vocês mesmo que acreditaram, sonharam e realizaram junto comigo!
Hora do jogo. Desafio africano, sendo
a Nigéria uma das melhores seleções do continente. A conferida inicial do
estádio foi impressionante, cabem sessenta mil camaradas lá dentro. Não à toa
que senhor polêmico presidente Uhuru Kenyatta optou pelo Kaserani como palco de
sua apresentação. Uma bela obra faraônica, de dar inveja aos milhões esbanjados
na cidade da música e no novo Maraca.
Por falar em Maracanã, bateu uma saudade
grande dos tempos áureos do gigante popular. Assisti o primeiro tempo em assentos
no nível do campo, distante como o Engenhão pela pista de atletismo em volta do
gramado. A visão era meio ruim e resolvi subir pro terceiro andar. Melhorou
bastante, só que o assento era no concreto. Lembra do mítico campo carioca
lotado de populares no concreto?
A qualidade do jogo foi tão boa
quanto uma pelada no aterro. Aliás, a pelada do aterro seria melhor. Do lado
queniano, Victor Wanyama, atacante titular do Celtic. De outro, Obi Mikel, um
bom meio-campista do Chelsea. Melhor pro segundo. No ataque, era Victor contra
cinco zagueiros nigerianos. Chuveirinho lançado pelo goleiro do Quênia, que
obviamente não deu em nada. Apesar do nível, valeu demais a experiência e a
torcida.
O chato é que a gente precisava da
vitória pra se classificar. O país tinha dois empates e uma derrota até então,
sendo o último do grupo repleto de gigantes como Namíbia e Malaui. O gogó foi
gasto e sobrou até uns palavrões em português, nada feito. No final das contas,
a torcida saiu sorrindo e dizendo que esperavam o resultado. Isso que é estar
desacreditado. Bom, Copa do Mundo de 2018 será Kenyaagainst the world,
vocês vão ver.
O nome da publicação não tem nada a ver com qualquer
tipo de assalto não. É uma expressão usada pelos locais quando alguma coisa
ruim acontece por Nairóbi. Voltando pra casa morto de cansaço depois de
assistir o game, presenciei uma
batida feia entre duas Matatus. Eis que o trocador soltou um Nairobbery pra
premiar o dia. Ri à beça. Vamos nós que amanhã promete. E já uma saudade de cá...
Tem dia que é brabo. Cacetada. Pela
colonização europeia, sobrou um restinho de raiva da rapaziada local por todo “pele
branca”, um dos motivos do grande racismo ao Mzungu por acá. É uma espécie de ódio em função do regime de
exploração que deu as cartas no continente. Claro que toda pessoa com menos
melanina é automaticamente responsável pelas ações do passado. Coerente, certo?
Não.
Nesses dias, é preciso bastante
força de vontade pra sair de casa andando por duas horas até chegar ao colégio,
ouvindo durante todo o caminho a maior variedade de piadinhas e risadas
existentes. Sim, eu sei que a cabeleira não ajuda, mas não justifica. Hoje até
o habitual “Jesus” ficou barato. Saindo da favela, jogaram restos de tomate em
mim e no finlandês. Pois é.
Logicamente não pode reagir. Se eu
me virar xingando em inglês ou der qualquer indício de ter saído do sério, a
comunidade no mínimo me janta na paulada. O truque é não se importar mesmo. Se
eles forem capazes de tirar o sorriso da sua cara, ganharam. E até chegaram a
me ganhar por um tempo. Nada que uma reação não supere. Vou botar teu nome na
macumba, diz aí Dudu Nobre.
Sempre fico tentando buscar explicações
maiores pros fatos que acontecem. Associar com uma lição importante ou aprendizado
costuma dar sentido aos fatos. Cheguei à seguinte conclusão: todas as pessoas
que fizeram o bem em algum momento tiveram opositores. Pessoas que estão ali
pra desmotivar, tentar derrubar ou diminuir a ideologia e a alegria.
Não é pra comparar com os grandes gênios
da história, Gandhi, Martin Luther King ou Beethoven, mas todos esses caras
tiveram antagonistas presentes e atuantes, que tentaram puxar os amigos pra
baixo. Às vezes até a cova. Remédio: fazer ainda mais o bem. Sempre que estou pê
da vida, tento ajudar alguém pra lembrar do gostinho de se estender a mão. Fazer
trabalho voluntário só quando se tem vontade e com sorriso no rosto é mole.
Quero ver depois de ter passado por um perrengue.
Chega de negatividade! O banheiro
atrasou (claro) mas foi quitado. Deve ficar pronto na sexta-feira ou até mesmo
sábado. Não vou descansar nem um segundo, porque até na segunda que vem, dia de
voltar pra casa, vou dar o ar da graça na Childrock pela última vez pra
inaugurar as instalações junto com as crianças. Ainda aguardo o orçamento das
paredes e chão e depois de passar a verba adiante com essa finalidade, Cristina,
arquiteta italiana que ficará pelo colégio por mais quatro meses, irá supervisionar
tudo e garantir o cumprimento da missão.
Pra quem viu a inauguração do Maracanã,
bacana. Jogo pra inglês ver. Jogo bom mesmo é eliminatória africana da Copa do
Mundo na nossa casa. Comprei ingressos pra assistir Quênia x Nigéria num
estádio com capacidade pra sessenta mil cabeças. Se eu vestir verde, cor do
adversário, não volto vivo. Até adquiri pros professores da Childrock, mas me
informaram que não poderão ir por causa de um seminário bom pra instituição.
Chegou ao fim a arrecadação! A
situação é a seguinte: pros atrasados de plantão, ainda dá pra contribuir. A
única diferença é que não vou estar aqui pra dispor dos recursos e aplicar de
forma consciente, então todo dinheiro que entrar a partir de hoje será imediatamente transferido pra conta da Childrock, no Quênia. Imensa ajuda, mas não posso
me comprometer com os gastos, como prometi.
Eu também precisava saber exatamente o quanto
teria no bolso pra trabalhar por esses últimos dias. E não dava pra ter ficado mais
feliz. No começo da campanha, preocupei-me à beça com a possibilidade de dar
errado e disse que ficaria muito feliz se alcançássemos dez mil reais. Com a benção
do fera braba das nuvens e atuação linda de todos, chegamos aos inacreditáveis,
inesquecíveis e inigualáveis R$30.725,87. Sem palavras pra agradecer o apoio de
todos nessa empreitada que se aproxima do fim. Vocês são os verdadeiros
responsáveis por todo o sucesso. Agora é colher os frutos e se deliciar com os
resultados!