sexta-feira, 3 de maio de 2013

Sindano

Toda sexta-feira não tem trabalho no colégio, então o dia fica a critério das aulas de suaíle pros intercambistas, bem como da ida ao Kenyatta Hospital pra fazer o dia das crianças com câncer (e outras doenças) um pouquinho mais agradável. Pela segunda tarefa, meu dia se tornou especial. Ainda bem que essa recreação e ajuda irá se repetir por semanas.

Acordei tarde e fui pra aula de suaíle. Chegando lá, não havia ninguém. Nem esperando pela aula, nem esperando por alunos. As classes normalmente são no próprio escritório da AIESEC dentro da University of Nairobi. Pro meu azar, decidiram cancelar a aula do nada sem avisar ninguém. Acredito que por terem poucos voluntários, fica mais fácil aloprar a lição de suaíle sem qualquer comunicação.


Depois de esperar cerca de duas horas dentro do escritório, algumas pessoas apareceram e dentre elas, Victor, o camarada que me levou pro hospital. Chegando ao local, faltou uma trilha sonora de desolação e destruição. As instalações com vidros quebrados, pessoas com todos os tipos de doenças andando pelas escadas e corredores em busca de alguém.

Quem é médico e decide vir pra cá fazer alguma coisa é mais forte do que qualquer Hulk. Pra quem pensa nesse lindo caminho, fica a ideia. Eu sinceramente não teria condições de conviver nesse ambiente e as três horas de brincadeiras e sorrisos me matavam por dentro a cada tique do relógio. Era como se o ar fosse acabando, me sufocando. Respirar, mais que nunca, era necessário.

Nessas situações, é (e foi) preciso tirar força do chão. Dizem que quando se chega perto da morte, até o ateu vira religioso e pede perdão a Deus. Essa passada pelo hospital gera alguns questionamentos religiosos e faz você apelar pra qualquer entidade religiosa existente. Escolha uma religião e peça. Peça pra que alguém bote o olho ali e faça algum milagre. Mas pede com vontade, porque não é fácil.


Numa das brincadeiras, as crianças desenhavam o que quisessem e um desenho relacionado à morte me chamou a atenção. Nele, uma pessoa era fuzilada pela outra. Questionei o por quê daquele desenho e ouvi que era a vida. Entrei no desenho e tomei um tiro psicológico. Uma criança de menos de dez anos explicando a vida como... a morte.

Depois, fui ensinar português pra algumas meninas. Aproveitei a chance e pedi pra aprender algumas palavras em suaíle. A primeira ensinada foi sindano. Significa agulha. Provavelmente é uma palavra que está na ponta da língua, em função da rotina hospitalar pela qual atravessam várias crianças. Tentei desviar o assunto, mas era tarde. Havia sido baleado novamente.

Atualização: R$4.897,00 e U$650.


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