Trata-se de cidade de trezentos mil habitantes
ligeiramente ao norte de Dar es Salaam. Foi a primeira igreja católica na costa
leste africana, bem como um dos mais importantes portos de slave trade. Depois de três ônibus lotados e um ferry só pra chegar
lá, era difícil compensar o perrengue. Compensou bonito. Graças ao guia que o
acaso colocou na frente de três gringos perdidos no meio de Bagamoyo: eu, a
alemã e uma queniana.
Caindo de paraquedas na estação rodoviária, fomos
atrás de um banco, pois Maggie (proveniente da minha próxima morada, Nairobi)
precisava cambiar um money. Na fracassada busca, o guia nos
encontrou. No estilo “não é necessário pagar, mas vou tirar todo o seu dinheiro
no final”, ficou nos dando direções e “fondo,
fondo” acabou que foi pelo dia inteiro.
A jornada foi iniciada pelo museu de Bagamoyo, que
embora possua apenas três ambientes e cômodos diferentes, possui mais
informação do que o Museu Nacional da Tanzânia. Primeiro o comércio de escravos
rolando solto até pleno século XX. Iniciado pelos árabes e continuado pelos
alemães até a retomada britânica, chega a dar uma “compreensão” do preconceito
ao Mzungu, que sempre que deu as
caras no continente veio pra aloprar tudo e todos.
Ao mesmo tempo em que os alemães construíam escolas e
hospitais, escravizavam a população local. A história de Bagamoyo é parecida
com a de Zanzibar, mas com uma diferença fundamental. Quando a intervenção
inglesa tomou lugar, a cidade tornou-se um porto seguro para ex-escravos, com
as primeiras colônias de liberdade do país. Um lugar pra que o escravo liberto
pudesse recomeçar (ou começar) a vida.
Saindo do museu, fomos à praia e vi uma de duas cenas
que exigem maiores explicações. Num cenário espetacular, algumas mulheres
rezando ao pé da cruz que fica perto do mar. Se elas estão agradecendo, o que
agradecem? E se estão pedindo, pelo que pedem? As ambições e orações destas
senhoras certamente seguem marés muito diferentes daquelas que se costuma
praticar. Exercício do dia: decifrar a cabeça das madames.
Por falar em cruz, ia me esquecendo de dizer um fato
extremamente curioso. No museu, existe um livro com a história do catolicismo
em quadrinhos. Nessa história, Jesus é representado por um cidadão negro.
Bacana! De repente pra aproximar a religião da realidade local, os padres missionários
da época passaram as lições e pregaram a sua fé com uma representação negra
enquanto pessoa. Ponto pros missionários. Agora reparem que o peito do pé de
Pedro é preto. De verdade.
Seguindo pela praia, sempre espetacular, chegamos a
um dos mais importantes portos pesqueiros nacionais. Não era nada demais, mas
como a cidade vive basicamente da pesca, quem não sabe pescar lá não pode
viver. Presenciei um leilão de peixes com arraias e peixes-agulha. Até chegar
no lugar em que ocorreu a segunda situação do dia.
Tirando a foto ao lado, ouvi alguns dizeres em suaíle
que pareciam raivosos e dirigidos a mim. Como Maggie fala suaíle (mesma língua
no Quênia), me contou o que foi dito pelo cidadão. “Esses europeus vem pra cá,
tiram as fotos e vendem no seu país. Depois nunca mais aparecem”. Faz sentido,
uma vez que algumas pessoas realmente tem esse comportamento. O detalhe é que os rebeldes contrários ao governo alemão eram enforcados aí.
Parti ainda às ruínas de Kaole, que um dia foram duas
mesquitas e um cemitério islâmico datados do século XIII. Existe uma natureza
fora de série ao redor que dá um clima de calmaria danado ao ambiente. Previamente
cansado pela jornada de cinco horas de retorno à residência (justificando o
atraso nesta publicação), tive que trocar o ônibus da volta no meio do trajeto porque
o pneu do amigo estava quase saindo, desesperando os passageiros. Caminha dura que segue! Boa
noite!
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