terça-feira, 26 de março de 2013

Bagamoyo


Trata-se de cidade de trezentos mil habitantes ligeiramente ao norte de Dar es Salaam. Foi a primeira igreja católica na costa leste africana, bem como um dos mais importantes portos de slave trade. Depois de três ônibus lotados e um ferry só pra chegar lá, era difícil compensar o perrengue. Compensou bonito. Graças ao guia que o acaso colocou na frente de três gringos perdidos no meio de Bagamoyo: eu, a alemã e uma queniana.

Caindo de paraquedas na estação rodoviária, fomos atrás de um banco, pois Maggie (proveniente da minha próxima morada, Nairobi) precisava cambiar um money. Na fracassada busca, o guia nos encontrou. No estilo “não é necessário pagar, mas vou tirar todo o seu dinheiro no final”, ficou nos dando direções e “fondo, fondo” acabou que foi pelo dia inteiro.

A jornada foi iniciada pelo museu de Bagamoyo, que embora possua apenas três ambientes e cômodos diferentes, possui mais informação do que o Museu Nacional da Tanzânia. Primeiro o comércio de escravos rolando solto até pleno século XX. Iniciado pelos árabes e continuado pelos alemães até a retomada britânica, chega a dar uma “compreensão” do preconceito ao Mzungu, que sempre que deu as caras no continente veio pra aloprar tudo e todos.

Ao mesmo tempo em que os alemães construíam escolas e hospitais, escravizavam a população local. A história de Bagamoyo é parecida com a de Zanzibar, mas com uma diferença fundamental. Quando a intervenção inglesa tomou lugar, a cidade tornou-se um porto seguro para ex-escravos, com as primeiras colônias de liberdade do país. Um lugar pra que o escravo liberto pudesse recomeçar (ou começar) a vida.

Saindo do museu, fomos à praia e vi uma de duas cenas que exigem maiores explicações. Num cenário espetacular, algumas mulheres rezando ao pé da cruz que fica perto do mar. Se elas estão agradecendo, o que agradecem? E se estão pedindo, pelo que pedem? As ambições e orações destas senhoras certamente seguem marés muito diferentes daquelas que se costuma praticar. Exercício do dia: decifrar a cabeça das madames.

Por falar em cruz, ia me esquecendo de dizer um fato extremamente curioso. No museu, existe um livro com a história do catolicismo em quadrinhos. Nessa história, Jesus é representado por um cidadão negro. Bacana! De repente pra aproximar a religião da realidade local, os padres missionários da época passaram as lições e pregaram a sua fé com uma representação negra enquanto pessoa. Ponto pros missionários. Agora reparem que o peito do pé de Pedro é preto. De verdade.

Seguindo pela praia, sempre espetacular, chegamos a um dos mais importantes portos pesqueiros nacionais. Não era nada demais, mas como a cidade vive basicamente da pesca, quem não sabe pescar lá não pode viver. Presenciei um leilão de peixes com arraias e peixes-agulha. Até chegar no lugar em que ocorreu a segunda situação do dia.

Tirando a foto ao lado, ouvi alguns dizeres em suaíle que pareciam raivosos e dirigidos a mim. Como Maggie fala suaíle (mesma língua no Quênia), me contou o que foi dito pelo cidadão. “Esses europeus vem pra cá, tiram as fotos e vendem no seu país. Depois nunca mais aparecem”. Faz sentido, uma vez que algumas pessoas realmente tem esse comportamento. O detalhe é que os rebeldes contrários ao governo alemão eram enforcados aí.


Parti ainda às ruínas de Kaole, que um dia foram duas mesquitas e um cemitério islâmico datados do século XIII. Existe uma natureza fora de série ao redor que dá um clima de calmaria danado ao ambiente. Previamente cansado pela jornada de cinco horas de retorno à residência (justificando o atraso nesta publicação), tive que trocar o ônibus da volta no meio do trajeto porque o pneu do amigo estava quase saindo, desesperando os passageiros. Caminha dura que segue! Boa noite!


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