Sem luz e sem água, acordei bastante sujo. O
travesseiro dava a impressão de que eu havia cochilado numa piscina. Me senti tão
asseado que se entrasse numa criação de porcos engatinhando, o proprietário me
abateria sem dó nem piedade junto com os outros suínos. Escovar os dentes foi
na maestria, porque a água que enxaguava a boca era a mesma que limpava a
escova de dente e a cara.
Já tinham me falado que a temporada de chuvas na
Tanzânia começava em março, mas não sabia que era tão pontual. Tentei ir pro
trabalho hoje, mas chegando do outro lado da barca peguei um temporal que
alagou todas as ruas (não há a palavra escoamento em suaíle) e fez com que os Dela-Dela parassem de passar. Como
fiquei esperando uma hora embaixo de um ponto de ônibus abarrotado de gente (depois boto uma foto), na
companhia agradável do mendigo colado em mim, liguei para a chefa que me mandou
voltar pra casa.
Fiquei meio frustrado. Não só porque dar aulas de
Direitos Humanos é um dos propósitos de estar aqui, mas porque fui pro outro
lado da barca à toa só pra constatar que quando chove, nada funciona. Sem o tal
sistema de escoamento, o transporte para de funcionar. O único Dela-Dela que vi
(não era pro meu destino) desafiava as leis da física. Não um, nem dois, mas
vários corpos ocupavam o mesmo lugar no espaço. Tá na hora de Newton revogar essa
lei aí.
Essa foto é a entrada da rua que leva pra minha casa,
na qual existem vários galos e galinhas. De noite não pra ver absolutamente
nada, o que exige andar com uma lanterna que automaticamente denuncia “eu não
sou daqui” (marinheiro só). O dilema é: ir no escuro e arriscar dar um bico na
galinácea e pisar numa cobra ou jogar a lanterna e denunciar a localização pra
bandidos de plantão? Fico com o meio-termo.
Voltando pra casa hoje me deparei com uma cena
triste, como muitas do cotidiano. Um menino com o uniforme muito encardido,
possivelmente o único que ele tem pra todos os dias, com papéis anotados nas
suas costas, mas dentro da camisa. Conclui que aquele menino não devia ter
mochila e pra não ficar carregando, colocava os papéis anotados nas costas pra
levar pra casa.
Até tirei uma foto, embora não concorde com a ideia
de “explorar” cenas sofridas. Já que o meu propósito aqui é tentar passar um pouquinho
da experiência pelo blog, não tem tanto problema. Na hora de chegar na sala de
aula e arremessar aquele objeto na cadeira como se fosse roupa suja, de repente
vale a lembrança que o valor da mochila não é o preço que se paga por ela, mas a simples possibilidade de se ter uma.
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