segunda-feira, 4 de março de 2013

Santa Chuva


Sem luz e sem água, acordei bastante sujo. O travesseiro dava a impressão de que eu havia cochilado numa piscina. Me senti tão asseado que se entrasse numa criação de porcos engatinhando, o proprietário me abateria sem dó nem piedade junto com os outros suínos. Escovar os dentes foi na maestria, porque a água que enxaguava a boca era a mesma que limpava a escova de dente e a cara.

Já tinham me falado que a temporada de chuvas na Tanzânia começava em março, mas não sabia que era tão pontual. Tentei ir pro trabalho hoje, mas chegando do outro lado da barca peguei um temporal que alagou todas as ruas (não há a palavra escoamento em suaíle) e fez com que os Dela-Dela parassem de passar. Como fiquei esperando uma hora embaixo de um ponto de ônibus abarrotado de gente (depois boto uma foto), na companhia agradável do mendigo colado em mim, liguei para a chefa que me mandou voltar pra casa.

Fiquei meio frustrado. Não só porque dar aulas de Direitos Humanos é um dos propósitos de estar aqui, mas porque fui pro outro lado da barca à toa só pra constatar que quando chove, nada funciona. Sem o tal sistema de escoamento, o transporte para de funcionar. O único Dela-Dela que vi (não era pro meu destino) desafiava as leis da física. Não um, nem dois, mas vários corpos ocupavam o mesmo lugar no espaço. Tá na hora de Newton revogar essa lei aí.

Essa foto é a entrada da rua que leva pra minha casa, na qual existem vários galos e galinhas. De noite não pra ver absolutamente nada, o que exige andar com uma lanterna que automaticamente denuncia “eu não sou daqui” (marinheiro só). O dilema é: ir no escuro e arriscar dar um bico na galinácea e pisar numa cobra ou jogar a lanterna e denunciar a localização pra bandidos de plantão? Fico com o meio-termo.


Voltando pra casa hoje me deparei com uma cena triste, como muitas do cotidiano. Um menino com o uniforme muito encardido, possivelmente o único que ele tem pra todos os dias, com papéis anotados nas suas costas, mas dentro da camisa. Conclui que aquele menino não devia ter mochila e pra não ficar carregando, colocava os papéis anotados nas costas pra levar pra casa.


Até tirei uma foto, embora não concorde com a ideia de “explorar” cenas sofridas. Já que o meu propósito aqui é tentar passar um pouquinho da experiência pelo blog, não tem tanto problema. Na hora de chegar na sala de aula e arremessar aquele objeto na cadeira como se fosse roupa suja, de repente vale a lembrança que o valor da mochila não é o preço que se paga por ela, mas a simples possibilidade de se ter uma.

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